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O poder ultrajovem

Aquele anteprojeto de mulher — quatro anos, no máximo, desabrochando na ultraminissaia — entrou decidido no restaurante. Não precisava de menu, não precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem ai, com força total, o poder ultrajovem.

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MARÇO, 2018

– Carlos Drummond de Andrade

— QUERO LASANHA.

Aquele anteprojeto de mulher — quatro anos, no máximo, desabrochando na ultraminissaia — entrou decidido no restaurante. Não precisava de menu, não precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha.

O pai, que mal acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu para dirigir a operação-jantar, que é, ou era, da competência dos senhores pais.

— Meu bem, venha cá.

— Quero lasanha.

— Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa.

— Não, já escolhi. Lasanha.

Que parada — lia-se na cara do pai. Relutante, a garotinha condescendeu em sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato:

— Vou querer lasanha.

— Filhinha, por que não pedimos camarão? Você gosta

tanto de camarão.

— Gosto, mas quero lasanha.

— Eu sei, eu sei que você adora camarão. A gente pede

uma fritada bem bacana de camarão. Tá?

— Quero lasanha, papai. Não quero camarão.

— Vamos fazer uma coisa. Depois do camarão a gente

traça uma lasanha. Que tal?

— Você come camarão e eu como lasanha.

O garçom aproximou-se, e ela foi logo instruindo:

— Quero uma lasanha.

O pai corrigiu:

— Traga uma fritada de camarão pra dois. Caprichada.

A coisinha amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por que é proibido comer lasanha? Essas interrogações também se liam no seu rosto, pois os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os pratos e o serviço, ela atacou:

— Moço, tem lasanha?

— Perfeitamente, senhorita.

O pai, no contra-ataque:

— O senhor providenciou a fritada?

— Já, sim, doutor.

— De camarões bem grandes?

— Daqueles legais, doutor.

— Bem, então me vê um chinite, e pra ela… O que você quer, meu anjo?

— Uma lasanha.

— Traz um suco de laranja pra ela.

Com o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camarão, que, para surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimentos, não foi recusada pela senho¬rita. Ao contrário, papou-a, e bem. A silenciosa manducação atestava, ainda uma vez, no mundo, a vitória do mais forte.

— Estava uma coisa, hem? — comentou o pai, com um

sorriso bem alimentado — Sábado que vem, a gente repete. .. Combinado?

— Agora a lasanha, não é, papai?

— Eu estou satisfeito. Uns camarões tão geniais! Mas você vai comer mesmo?

— Eu e você, tá?

— Meu amor, eu…

— Tem de me acompanhar, ouviu? Pede a lasanha.

O pai baixou a cabeça, chamou o garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa vizinha, bateu palmas. O resto da sala acompanhou. O pai não sabia onde se meter. A garotinha, impassível. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem ai, com força total, o poder ultrajovem.
Carlos Drummond de Andrade

Dark.

Photograph via Pixabay

Imagem de 192635 por Pixabay

” A coisinha amuou. Então não podia querer? Queriam querer em nome dela? Por que é proibido comer lasanha? Essas interrogações também se liam no seu rosto, pois os lábios mantinham reserva”

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